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sábado, 28 de janeiro de 2012

A re-mercadorização do direito à saúde: o mercado também deve respeitar o mínimo ético


A morte do Secretário Nacional de Recursos Humanos, do Ministério de Planejamento, por falta de atendimento emergencial nos hospitais privados de Brasília revela um quadro trágico e relativamente novo: a re-mercadorização do atendimento dos planos privados de saúde.
Estamos falando da recusa não de um, mas de três estabelecimentos hospitalares. Tal fato ainda é agravado por haver fortes suspeitas do crime de racismo, já que ele era negro. É revoltante!!
Houve um desrespeito ético por parte desses hospitais, que ao mercantilizar o direito à saúde como se fosse um produto qualquer a ser explorado a varejo dispensou o tratamento humano, medida que pode ser conjugado com o capital e lucro.
Trata-se de um caso típico de crise de caráter do capitalismo, que por utilitarismo extremo não respeita nem o direito à saúde e à vida. Mesmo no “capitalismo selvagem” há alguns limites a serem observados, que nesse caso, ele foi completamente extrapolado.
Exigir o registro e garantias de pagamento em situação de emergência para somente depois realizar o atendimento fere qualquer preceito ético mínimo.
Até mesmo em situação de guerra é preciso observar padrões éticos mínimos, a ser respeitadas pelos combatentes. Está disciplinado na Convenção de Genebra.
Absurdo maior foi o fato de se cogitar que o caso viria a ser investigado pela Delegacia do Consumidor, por ter ferido um dispositivo do Código de Defesa do Consumidor, que determina que o prestador de serviço não pode exigir vantagem manifestamente excessiva, que seria a caução do pagamento exigido. Não se trata de uma questão consumerista, mas de violação à um direito humano fundamental: o direito à saúde.
Frise-se que o direito à saúde – a ter tratamento adequado em caso de enfermidade e dispor de bem estar físico e mental – é previsto constitucionalmente como direito de todos e dever do Estado.
O direito à saúde correlaciona-se diretamente com o direito à vida, na perspectiva de se viver com dignidade. A vida, por sua vez, é uma garantia constitucional, devendo ser assegurada com total prioridade, entre os demais direitos prestacionais, em que todos, seja instituição privada ou não, devem respeitar e cumpri-la.
E neste caso nem se tratava de um atendimento pelo Sistema Único de Saúde – SUS, tão alardeado na imprensa, mas considerado um dos programas públicos de saúde mais completos e consistentes do mundo.
Para comprovar tal afirmação é simples, basta verificar qual o plano de saúde privado: i) substitui as próteses de cirurgias plásticas realizadas com interesse puramente estético, ii) cobre integralmente um transplante – procedimento de alta complexidade sem qualquer contrapartida por parte do beneficiário; iii) realiza cirurgia de mudança de sexo para transexuais totalmente gratuito; iv) cobre integralmente o tratamento para doenças crônicas e complexas.
O Sistema Único de Saúde tem como característica essencial a exigência de participação da comunidade local na organização das diretrizes e programas de saúde pública, com vistas a forçar o controle social sobre os investimentos públicos.
E os planos de saúde privados no Brasil encontram espaço por conta das ineficiências e equívocos do serviço público de saúde, que apesar de ampliar a rede e os investimentos não conseguem atender com mais qualidade a universalidade da população.
Na semana passada, houve a regulamentação da Emenda Constitucional 29, que vinculou as receitas para o financiamento em saúde, determinando investimentos de 12% para a União e Estados e 15% para os Municípios.
No entanto, um Relatório divulgado pela Controladoria Geral da União – CGU demonstra que uma parte do problema não está relacionada apenas com a falta de investimentos dos entes, mas com a corrupção e malversação dos recursos públicos. Para termos uma idéia, de 3 em 4 Prefeituras Municipais, apresentam irregularidades graves em matéria de investimentos em saúde. Esse dado representa 77% dos casos investigados.
Apesar desses problemas, o desafio é fortalecer o Sistema Único de Saúde e criar formas de neutralizar a re-mercadorização da saúde, promovendo com participação social o desenvolvimento de um programa público, coletivo, gratuito e universal.
Assim, enquanto não o consolidamos com base na participação social e presença popular é melhor carregar o talão de cheques.
Cristiano Lange dos Santos é advogado. Especialista e Mestre em Direito, foi Professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Anhanguera de Passo Fundo. Atua como Procurador Jurídico do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais – LAPPUS.
Marcelo Sgarbossa é advogado. Mestre em Análise de Políticas Públicas pela Universidade de Turim (Itália) e Doutorando em Direito pela UFRGS, professor da ESADE e Diretor-Geral do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais – LAPPUS.

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