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sábado, 26 de novembro de 2011

Bolsonaro e mais uma polêmica: a imunidade parlamentar tem algum limite?


Cristiano Lange dos Santos e Marcelo Sgarbossa *
As declarações dadas quinta-feira (24) pelo deputado federal Jair Bolsonaro (PP/RJ) na tribuna da Câmara dos Deputados (que podem ser lidas em matéria publicada pelo Sul21) reacenderam um debate interminável: quais são os limites da imunidade parlamentar? Porque um deputado pode tudo?
Vale lembrar que Jair Bolsonaro é um deputado federal devidamente eleito, que recebeu aproximadamente 120 mil votos e que, pelo nosso modelo eleitoral, representaria esses eleitores. A democracia é algo sério. É uma lástima que algumas pessoas não saibam disso.
É preciso ressaltar também que o instituto da imunidade foi modificado pela EC 35/2001, sofrendo algumas limitações de modo a não imperar a total impunidade parlamentar.
Destaque-se que o artigo 53 da Constituição Federal assegura aos Deputados e Senadores a inviolabilidade, civil e penalmente por suas opiniões, palavras e votos. É a chamada imunidade material ou inviolabilidade, ao impedir que o parlamentar seja condenado penal, civil, política e administrativamente (ampla descaracterização do tipo penal) pelas suas manifestações enquanto estiver desempenhando a função parlamentar.
Sabe-se da importância da imunidade material (inviolabilidade) para o exercício pleno das funções do parlamentar que, a priori, deve atuar com total independência e liberdade, haja vista desempenhar um papel de defesa dos interesses dos seus eleitores, mas também de garantia do regime plural e democrático do país. É importante lembrar que essa garantia foi cerceada por décadas pela ditadura militar, ao excepcioná-los nos casos “de crime contra a segurança nacional”.
Trata-se, portanto, de verdadeira garantia dos direitos de expressão e opinião do Poder Legislativo em face aos demais poderes da República, para impedir qualquer possibilidade de pressão ou medo de represálias aos Parlamentares por suas opiniões, palavras e votos.
Enfim, a dúvida ainda persiste: a imunidade material parlamentar é absoluta ou possui algum limite?
Constitucionalistas estão divididos. Uma parte justifica que tal garantia é total e irrestrita, já outros entendem que a essa proteção deve guardar pertinência a situações relacionadas ao exercício do mandato.
Para se ter uma idéia, a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que é o guardião da Constituição Federal e o balizador dessas questões não é firme na matéria, analisando as particularidades de cada caso em específico, bem como deve ser, para não se cometer qualquer equivoco ao texto constitucional.
Apenas para exemplificar, em 2002, o Supremo permitiu que o deputado federal Eurico Miranda (PPB-RJ) fosse processado por ter declarado em algumas rádios de âmbito nacional que haveria um esquema entre os árbitros de futebol para beneficiar o time rival, o que caracterizaria difamação. Na época, Eurico Miranda era presidente do Vasco da Gama. Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal entendeu não haver relação entre a função parlamentar e as manifestações proferidas nas rádios (INQ 1344 do STF).
Como já se referiu, muito embora seja uma garantia do regime democrático, a imunidade deve guardar alguns limites, caso contrário se permitiria a total impunidade, conseqüência reprovável num Estado Democrático de Direito.
Por outro lado, é claro que tais manifestações não podem beirar ao absurdo, nem apregoar o incorreto, como reiteradamente tem feito o deputado Bolsonaro, ao promover a discriminação, a homofobia e o preconceito com relação aos homossexuais.
Nesse sentido, percebe-se que, mesmo na Tribuna da Câmara dos Deputados, o limite da imunidade foi devidamente extrapolado pelo Dep. Federal Jair Bolsonaro (PP/RJ), razão pela qual deve – ou ao menos deveria – ser responsabilizado por falta ou quebra de decoro parlamentar (artigo 55 da Constituição Federal).
Assim, de uma forma ou outra, tais ações ou manifestações parlamentares não devem ficar totalmente impunes, seja por meio de responsabilização cível ou criminal na esfera do Poder Judiciário, seja por meio de cassação por quebra de decoro parlamentar na casa legislativa, face as suas reiteradas manifestações preconceituosas e discriminatórias que violam os direitos humanos. É o minimo que se espera!
* Cristiano Lange dos Santos é advogado. Especialista e Mestre em Direito, ex-professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Anhanguera de Passo Fundo. Atua como procurador Jurídico do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais – LAPPUS.
Marcelo Sgarbossa é advogado. Mestre e Doutorando em Direito pela UFRGS, professor da ESADE e diretor-geral do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais – LAPPUS.

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