Páginas

quarta-feira, 4 de abril de 2012

A participação dos juízes nas políticas públicas para resolução dos problemas coletivos.


Por Luigi Bobbio
Palestra proferida pelo Professor Italiano na Escola Superior da Magistratura, em 08 de junho de 2006, quando da sua vinda ao Brasil para participar de debates envolvendo democracia, políticas publicas e participação popular.
O tema a ser enfrentado aqui é o papel dos juízes nas políticas públicas.
Quero ressaltar que não sou jurista, mas cientista político, e pesquiso a atuação e a implementação das políticas públicas, tendo, muitas vezes, me defrontado com o papel do juiz nas políticas públicas. Com efeito, no estudo das políticas públicas, os juízes são sempre apresentados como atores importantes no desenvolvimento das políticas públicas, em todos os países.
Quando me refiro a atores, não indico um conceito jurídico, não diz respeito às competências jurídicas que intervém no processo, mas é um conceito de fato. Ou seja, dentro do estudo da ciência política “atores” são todos aqueles que têm uma influência sobre as políticas públicas. Por isso, do meu ponto de vista, o juiz é um ator que influencia no conteúdo das políticas públicas.
Para explicar melhor esse ponto, procurarei demonstrar o que significa uma política pública para a ciência política. Para nós, cientistas políticos, que estudam políticas públicas existem muitíssimas políticas públicas em escalas diferentes, sobre argumentos diferentes (ambiental, social, urbana, turismo, trabalho, imigração, entre outras). A questão é: o que elas têm em comum? Para entendê-las, precisamos defini-las como tal. Há muitas definições, mas a que prefiro é a seguinte: “uma política pública é um conjunto de ações de qualquer forma correlacionadas às soluções de um problema coletivo, geralmente considerada de interesse público.”
Por isso, chamamos “política pública” um problema percebido como público. Se há um problema público, a resposta para tanto é a efetivação de uma política pública. Nesta resposta, contribuem diversos sujeitos, ou diversos atores, em diferentes fases (políticos, partidos políticos, burocratas, grupos de interesse, e naturalmente também os juízes).
Nós podemos representar as políticas públicas por meio das diversas fases que elas atravessam. Em geral, pode-se dizer, que cada política pública tende a atravessar quatro fases distintas: a primeira é o nascimento do problema e a formação da agenda. Nesta fase, emerge um problema – pode ser um problema de saúde, de habitação, de pobreza, saúde, de criminalidade – e o fundamental é procurar entender como é formulado este problema e por quem, porque a resposta dependerá muito de como o problema será concebido e representado.
Nessa fase o cerne da questão é que existem muitos problemas sociais que pressionam para serem enfrentados, mas nem todos são enfrentados. Ou seja, a agenda política contém somente alguns dos problemas; uns são inseridos na agenda, outros não.
Por isso, uma parte do estudo das políticas públicas é o estudo de como certos problemas entram na agenda política e outros não; ou seja, como se dá a seleção do problema a ser resolvido. Essa questão é muito importante e delicada porque é possível compreender, que a todo o momento o governo, é pressionado para a resolução dos problemas, mas só pode enfrentar alguns deles. Quais e por quê?
Então esse é o primeiro tema de estudo. O modo como são definidos os problemas é fundamental. Vocês entendem que o problema da droga, por exemplo, pode ser definido como um problema criminal, ou como um problema sanitário, ou como uma dificuldade dos jovens. Conforme se define o problema haverá uma resposta diferente.
A segunda fase é aquela da formulação ou adoção da política. Uma vez definido o problema, de certo modo, e tendo este entrado na agenda política, haverá a fase da definição das medidas. Poderia ser através de uma lei do Parlamento Federal, Estadual ou Municipal.
Uma vez adotada formalmente um política haverá uma fase sucessiva que é a implementação. Ou seja, a competência para realizá-la passa para a Administração Pública que terá que colocar em prática os comandos estabelecidos na lei.
No final, na quarta fase, terão sido produzidos resultados, efeitos na sociedade que se tratará de avaliar os resultados; de entender se foram positivos ou negativos em relação ao que foi previsto inicialmente com a implementação das políticas públicas.
Muitas vezes os juízes acabam por modificar a percepção dos problemas públicos. Ou seja, acabam por intervir na natureza do problema. Por exemplo, trazendo problemas novos que antes não eram considerados e, indiretamente, terminam por influenciar o ciclo das políticas públicas.
Como fazem para levantar estes problemas? Trago aqui alguns exemplos da Itália. Quando não existiam leis sobre o meio ambiente na Itália nos anos sessenta, a política pública ambiental foi inventada pelos juízes que, usando normas muito gerais sobre a saúde, ou seja, escritas para outras finalidades, começaram a mover ações contra as empresas que poluíam.
Assim, de qualquer forma, os juízes na Itália contribuíram para fazer nascer, – é bom deixar claro, que não só eles – o problema ambiental, que antes não existia até aquele momento. Da mesma forma, tiveram um papel fundamental nas políticas do trabalho, em particular sobre o local de trabalho, demissões; também em estabelecer o fim do monopólio público televisivo. O monopólio público televisivo na Itália não foi abolido por uma lei, mas pela intervenção dos juízes que, aplicando um artigo da Constituição Italiana sobre a liberdade de manifestação do pensamento, a certo ponto declararam o fim do monopólio público televisivo, e muitos outros exemplos.
Quero dizer é que o papel dos juízes não é somente de intervir na implementação das políticas, mas de trazer problemas novos sobre os quais o legislador também deve se preocupar.
A Corte Constitucional tem obviamente um papel importante, mas o juiz de primeiro grau especialmente também.
A força dos juízes obviamente consiste no fato de que são autoridades independentes do poder político, recrutados por concurso, pouco sensíveis ao consenso e podem cumprir escolhas que os políticos não podem ou não querem cumprir, por razões de consenso.
É interessante como estes atributos de independência e de insensibilidade ao consenso representam uma tendência mais geral que existe em muitos países, talvez também no Brasil, e seguramente nos países europeus, de criar autoridades independentes de tipo judiciário ou semi-judiciário, por exemplo, autoridade monetária, autoridade anti-trust, autoridades garantidoras da privacidade e outras deste gênero. Ou seja, não são só os juízes, mas está se estendendo o número das autoridades que agem não sobre a base do consenso, mas sobre a base de princípios legais.
Porque aumentam estas autoridades? Aumentam porque uma teoria diz: os políticos têm um problema de credibilidade. Ou seja, afirmam direitos, prometem garantias, mas sabem que não serão capazes de cumpri-los porque serão submetidos às pressões dos grupos de interesse. O reforçamento dos juízes e de outras autoridades independentes dá a possibilidade de amarrar as mãos dos políticos que eles próprios tem interesse a amarrar-se as mãos para ter mais credibilidade.
Assim, substancialmente, acredito que uma tendência que existe nas sociedades contemporâneas é aquela a uma jurisdicização de uma série de políticas públicas com a finalidade de dar credibilidade às promessas dos políticos.
Essa é uma tendência importante. É uma espécie de tecnicização das escolhas. E, todavia, a autonomia e independência dos juízes podem facilmente confrontar-se o mundo da política. Aqui tem um problema de fundo: os juízes atuam sobre casos individuais, mas as suas sentenças pode ter efeitos gerais.
Esse é o paradoxo: trabalha-se sobre o caso particular, concreta, mas a sua sentença pode ter um alcance muito mais ampla. Pode inclusive colocar novos problemas na agenda política. E aqui se abre uma questão. Tomo muito rapidamente aqui a distinção proposta por Max Weber entre a ética da convicção, ou seja, a racionalidade orientada ao valor que seria o comportamento de quem diz “eu faço aquilo que devo, ocorra o que ocorrer”. Substancialmente, é quem age de acordo com valores e princípios sem colocar-se o problema das consequências que virão. Max Weber contrapõe à ética da convicção, a ética da responsabilidade, ou seja, a ação orientada ao escopo. Qual é o ponto? O ponto é que os juízes e as outras autoridades independentes são autoridades que agem tendencialmente pela ética da convicção enquanto os políticos agem prevalentemente sobre a ética da responsabilidade. Isso naturalmente abre um problema enorme. Os juízes, ao reconhecer um direito a um cidadão podem, por exemplo, estabelecem um princípio que pode ter consequência sobre um milhão de pessoas, mas não tem a responsabilidade de encontrar os recursos para pagar estas pensões.
Por isso há um contínuo conflito entre a ética da convicção orientada aos valores estabelecidos na lei e nas Constituições e a ética da responsabilidade.
Por isso, encontramos muito seguidamente confrontos muito duros e violentos entre juízes e os políticos. Na Itália, por exemplo, estamos assistindo a um confronto violentíssimo entre o Poder Judiciário e o Poder Político, e o principal inimigo da clássica separação dos poderes é no fundo o populismo, que odeia a separação dos poderes por que queria uma ligação direta entre os políticos e o povo sem a mediação dessa separação. Os políticos populistas na Itália dizem, por exemplo, “mas o que querem os juízes? Mas quem os elegeu? Nós é que fomos eleitos pelo povo, nós é que temos a responsabilidade. Os juízes deveriam se limitar a fazer o menos possível porque não tem legitimidade para agir.
Aquilo que encontramos continuamente na relação juízes-políticas públicas há duas tendências: a primeira é aquela de confiar sempre mais às autoridades independentes de tipo judiciário tarefas de garantia e, por outro lado, um possível confronto muito áspero com a classe política, em particular com os políticos no qual chamo populistas, e me refiro em particular a Silvio Berlusconi, naturalmente, mas aos políticos populistas que não suportam a intervenção dos juízes nas políticas públicas.
Então este me parecer o estado da questão, que acredito seja muito delicado porque penso que seja objetivamente muito difícil encontrar um equilíbrio entre o mundo dos juízes e o mundo da política.
Tradução: Marcelo Sgarbossa e Cristiano Lange dos Santos. Com a colaboração de Darowich Mohamed Makki.

Nenhum comentário:

Postar um comentário