Páginas

terça-feira, 8 de maio de 2012

Ciclovia da Ipiranga: caso típico de Síndrome de D.A.D (Decido, Anuncio e Defendo) em POA


Essa semana, passados mais de sete meses do anúncio oficial, foi inaugurada, mesmo que muito rapidamente, mas com pompa e festejos pela Prefeitura de Porto Alegre a ciclovia da Ipiranga. Também foi celebrado por certos meios de comunicação que anunciam distorções, induzindo seus milhares de leitores ao erro sobre a referida pista cicloviária, ao tratar de uma grande realização para a cidade e a população.
Diante desse fato, pretendemos aqui debater algumas questões sobre o projeto da ciclovia da Ipiranga, assim como acerca do planejamento cicloviário urbano da cidade de Porto Alegre desenvolvido pela atual gestão municipal.
Cumpre referir que a cidade possui um Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI), Lei Complementar 626, de 15 de julho de 2009 que apresenta o modal da bicicleta como uma opção de transporte para o atendimento das demandas de deslocamento no espaço urbano, com condições de segurança e conforto, mediante o planejamento e a gestão integrada de todos os modos de transporte, garantindo a prioridade aos meios coletivos e aos meios não motorizados.
Destacamos ainda, que o Plano Diretor Cicloviário Integrado, dispõe sobre a Prefeitura Municipal deverá, repassar anualmente o mínimo de 20% (vinte por cento) do montante financeiro arrecadado com multas de trânsito para a aplicação na construção de ciclovias e em Programas Educativos relacionados ao uso adequado da bicicleta.
Embora não seja o objeto do texto, é importante mencionar que a lei não foi cumprida pela Prefeitura Municipal, ao ponto de ter que ser acionada judicialmente pelo Ministério Público a devolução dos 6 (seis) milhões destinados a esse objetivo.
Esse é o ponto crucial: a completo descumprimento do planejamento integrado no que se relaciona a temática cicloviária na cidade de Porto Alegre.
Efetivamente, quantos quilômetros de ciclovia a cidade possui hoje?
Bem, com a inauguração do primeiro trecho da Ipiranga, tem-se, efetivamente, 400 metros de ciclovia.
Trata-se de uma ilha no contexto de uma cidade como Porto Alegre.
Apenas a titulo de comparação com as demais capitais brasileiras, Porto Alegre, ficou com média de 0,28% (zero vinte oito por cento) num total de 10, o pior índice sobre mobilidade urbana na temática ciclovias segundo a pesquisa realizada pela Equipe Mobilize Brazil (Mobilidade Urbana Sustentável) em 2011.
Sem considerar os erros estruturais que fundamentam o projeto. Pode-se dizer que são os metros mais caros que uma ciclovia pode custar.
Ademais, o projeto não atende a princípios básicos da ciclovia: i) o princípio da directibilidade, que é a continuidade na pista, uma vez que num trecho curto, de aproximadamente 9 (nove) km, é preciso mudar de pista, no mínimo, em cinco oportunidades; ii) o princípio da conectividade, já que liga nada a lugar nenhum, pois a ciclovia encontra-se completamente isolada.
Ainda no mesmo sentido, os cicloativistas sentem-se desrespeitados, com a proposta apresentada, uma vez que sequer foram consultados sobre a concepção da obra.
Trata-se de um caso típico de falta de dimensão participativa, chamado no estudo da análise de políticas públicas, da Síndrome de D.A.D do Administrador Público, que é uma sigla que traduz as iniciais de Decido, Anuncio e Defendo.
Isso significa que o Administrador – que a princípio deveria ser Público – decide sozinho, ou no máximo em âmbito de gabinete, qual e como a política pública ou programa deve ser implementado, sem qualquer consulta ou participação popular dos beneficiários e usuários do projeto, ação ou programa.
Na segunda fase, ele anuncia com o fim de buscar a idealização daquele programa, ação, obra ou projeto procurando dar visibilidade e projeção aos seus feitos. Por último, mesmo sendo contrariado, por ter ignorado a opinião pública e a participação dos usuários, ele defende sua ideia de programa, projeto ou política pública ao máximo, levantando argumentos favoráveis e justificando a defesa com base no interesse público.
É o caso da ciclovia da Ipiranga.
Para termos uma idéia, segundo os cálculos de um colega cicloativista, no ritmo atual, a ciclovia inteira (9,4 Km) ficará pronta em 2025. E no mesmo ritmo, os 495 Km previstos no Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI) estarão prontos daqui a 730 anos.
Pior de tudo isso, é perceber que o que importa nesse momento, não é a qualidade de vida da população, nem a melhora no modelo de mobilidade urbana, com a redução de acidentes fatais, mas a foto e o registro com fins meramente eleitoreiros.
Pois é, quem sabe um dia, mesmo que distante, a ciclagem de Porto Alegre possa a vir ser realidade.
Cristiano Lange dos Santos é advogado. Especialista e Mestre em Direito, foi Professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Anhanguera de Passo Fundo. Atua como Procurador Jurídico do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais – LAPPUS.
Marcelo Sgarbossa é advogado. Mestre em Análise de Políticas Públicas pela Universidade de Turim (Itália) e Doutorando em Direito pela UFRGS, professor da ESADE e Diretor do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais – LAPPUS.

Nenhum comentário:

Postar um comentário